Isenção de Imposto de Renda sobre venda de imóvel também vale para quitações

As legislações que tratam de outorga de isenção devem ser interpretadas literalmente, como determina o artigo 111 do Código Tributário Nacional. Sendo assim, não cabe pagar Imposto de Renda sobre montantes recebidos por venda de imóvel e que serão usados na quitação de financiamentos habitacionais assumidos anteriormente.

Não incide IR também sobre capital obtido em venda de imóvel que será usado para pagar financiamento habitacional.

Assim entendeu, por maioria, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Fazenda Nacional questionava o uso do valor da venda de um imóvel no pagamento de um financiamento contratado tempos depois da compra do primeiro bem. O órgão argumentava que a Receita Federal proibiu esse tipo de operação na Instrução Normativa 599/2005.

O parágrafo 11, inciso I, do artigo 2º da IN ficou assim redigido: “O disposto neste artigo não se aplica, dentre outros I – à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante”.

Para o ministro Mauro Campbell Marques, que redigiu o voto vencedor, o recurso da Fazenda Nacional não deve ser concedido porque as restrições impostas pela Receita Federal vão contra o objetivo da Lei 11.196/2005, que garantiu a isenção se o dinheiro for aplicado na compra de imóveis em até 180 dias após a celebração do contrato de venda. A norma, destacou, visou otimizar o mercado imobiliário e reduzir a tributação sobre o capital usado.

“Com efeito, é de sabença geral que a grande maioria das aquisições imobiliárias das pessoas físicas é feita mediante contratos de financiamento de longo prazo (até trinta anos). Isto porque a regra é que a pessoa física não tenha liquidez para adquirir um imóvel residencial à vista. Outro ponto de relevo é que a pessoa física geralmente adquire o ‘segundo imóvel’ ainda ‘na planta’ (em construção), o que dificulta a alienação anterior do ‘primeiro imóvel’, já que é necessário ter onde morar”, explicou o ministro.

Mauro Campbell Marques detalhou que a finalidade da Lei 11.196/2005 é melhor aproveitada com a possibilidade, dentro dos 180 dias, de se conceder a isenção também para quitações de débitos remanescentes de imóveis já adquiridos ou de parcelas de financiamentos firmados anteriormente e ainda em curso.

 

Entendimento de segundo grau

A decisão de Mauro Campbell Marques seguiu o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Para a corte de segundo grau, a instrução normativa da Receita extrapolou seu poder de regulamentar ao criar uma restrição não prevista na lei.

“Como se pode ver da reprodução acima, a Lei nº 11.196/05, ao dispor acerca da isenção do IRPF sobre o ganho na alienação de imóvel residencial, apenas exigiu que, no prazo de 180 dias da venda, seja aplicado ‘o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País’.”

De acordo com o TRF-4, a isenção deve ser reconhecida de forma extensiva, abrangendo imóveis adquiridos posterior e anteriormente à alienação de outro bem similar. “A lei estabeleceu como requisito da isenção do IRPF não propriamente a aquisição de novo imóvel no prazo de 180 dias da venda, mas a aplicação/utilização, neste período, do recurso obtido com a venda de imóvel na compra de novo imóvel.”

A corte de segunda instância explicou também que o legislador, se quisesse usar como requisito a aquisição do novo imóvel, teria detalhado isso na norma, e ainda deu uma aula de gramática à Fazenda Nacional: “Logo, o verbo nuclear da hipótese de incidência prevista na norma isentiva não foi adquirir , mas sim aplicar na aquisição […] A diferença entre ‘adquirir’ e ‘aplicar na aquisição’, apesar de sutil, é de máxima relevância para a correta interpretação (literal) da norma isentiva veiculada no art. 39 da Lei nº 11.196/05”.

O tributarista Fábio Calcini, do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, elogia a decisão do STJ e destaca que a norma da Receita Federal inseriu ilegalmente uma exigência não prevista em lei: a utilização do produto da venda do imóvel para quitação total ou parcial de bem adquirido à prazo ou já possuído pelo alienante.

“O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, sem deixar de realizar uma interpretação literal da isenção, nos termos do art. 111 do CTN, não deixa de levar em consideração a finalidade do texto normativo a fim de proporcionar efetivamente uma justiça fiscal e fomentar as operações imobiliárias”, detalhou o advogado.

 

Fonte: Brenno Grillo, Conjur